Não importa, para mim, não funciona assim. Não é que eu seja totalmente mente aberta, desprovida de preconceitos, uma santa. Pelo contrário, sofro de uma bruta xenofobia, que luto dia após dia para controlar e não suporto fumantes, muito menos fazendo anéis de fumaça. Mando para o inferno.
O fato é que sofro de uma crônica falha na memória recente. Sério, vejo-me qualquer dia desses me casando com alguém que "nunca vi na vida", tendo filhos que "nunca pari", assistindo a todo esse "não-acontecimento" por um dvd caseiro.
Sou como toda mulher, meramente contraditória. Mas não porque pretendo complicar a vida de algum homem a ponto de seduzi-lo e enlouquecê-lo deixando-o completamente cego para o que houver além de mim. Não, até porque não acredito nesse tal poder feminino. Eu sou contraditória porque sempre esqueço aquilo que penso. Uma hora um homem me faz ferver de raiva pelo seu caráter ogro. Em outro instante (não necessariamente muito distante) simplesmente me entrego a cabeça para o cafuné. Adoro isso, esqueço aquilo.
Um dia esse esquecimento me rende uma prisão. Já imaginou se por acaso eu como em um restaurante e simplesmente esqueço de pagar? Credo, seria o fim de todo o meu pouco orgulho de viver ( e olhe que estou apenas pensando em um prato de comida esquecido...).
Talvez até, esse maldito jeito Dori de viver me renda o fim da mais maravilhosa ex-futura história de amor. Talvez um lapso me leve à morte.
Corro sérios riscos de ser mal interpretada, dia após dia. Meu esquecimento me consome meus poucos 20 anos e alguma coisas memoráveis. Terrível mesmo.
Mas nunca esqueço da primeira vez que vi o Chacrinha receber Ney Matogrosso (a la Secos e molhados) na telinha da tevê. Eu tinha dois anos. Também lembro nitidamente do cheiro e da textura da mão da minha avó, que já passou para melhor há 17 anos.
É incrível como minha memória antiga é tão recente. E como minha memória recente é tão inútil. Minha esperança é que um dia a memória esquecida, digo, recente, venha a ser memória antiga, e deste modo, lembrada. Que susto eu teria em lembrar a blusa, o cheiro e a música que ouvia na primeira vez que beijei "aquele menino"! è como lembrar da reboladinha do Ney Matogrosso hoje em dia! Fantástico.
É, não vejo muita saída para mim. Se nem minha infantilidade (justificada pela tática de exercitar a memória, impedindo que "o alemão" se instale em minha mente) funciona, não vejo muito em que me firmar, a não ser na esperança de que um dia as memórias voltaram. Só espero não causar ou sofrer um choque muito brusco quanto à imagem que tenho das pessoas que me rodeiam. Gosto daquilo, esqueço isso.