22 maio 2007

"Magali" x "Mary Love"

Penso que qualquer dia desses vou explodir. Não que eu esteja estressada; não que eu seja infeliz. Penso demais. Vivo muito a vida mental. Alimentada em excesso, qualquer dia ela vai fugir.

Como um galo falante, um alfinete e a vontade de ser menino da provável garotinha Lygia Bojunga, minha vida mental irá se debater nas paredes da minha derme, me reformando e deformando até se libertar. Um raio de luz imenso surgirá, como a luz produzida na mais profunda e obscura das fossas Marianas. Que ironia do nome, mas passemos adiante.

Já sinto os primeiros sintomas de meu destino. Esmalte, tinta, estilo...não sou eu, é ela! Inquieta, exibida, destrutiva. Cobiça e despreza simultaneamente minha vida. Não tem ideais mas é cheia de idéias, por isso fascina. Observo-a e participo fervorosamente de suas folias temendo o risco de um dia não voltar, feito pescador que segue a melodiosa Iara. Onde vou parar...?

Virtual(mente) transferida e substituída, chorarei covardemente minha explosão, que agora percebo ser na verdade uma implosão. Me debaterei como a tal faz impacientemente para tornar-se meu juízo. Quem ganhará no final? A “sensatez” ou a magia “Bud-loveana”? Não sei. Torço por um choque efetivo que funde nossas ausências e excessos, finalizando em um único ser: real; indivisível.

19 maio 2007

Uma poesia de Vinícius

Ausência (Vinícius de Morais)

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces...
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto...
No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida...
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto...
E em minha voz, a tua voz...
Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado...
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados...
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada...
Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado...
Eu deixarei...Tu irás e encostarás tua face em outra face...
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada...
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu...
porque eu fui o grande íntimo da noite...
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa...
Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas,
serão a tua voz presente, tua voz ausente, a tua voz serenizada.

08 maio 2007

Amor Enfermo


“Tanto sofre o ciumento que sente alegria quando morre antes do que o ser amado objeto do seu ciúme” (Ramón de Campoamor), não foi assim para João. Aconteceu em 2004. Joana (a chamaremos assim para manter o anonimato) acordou por volta das 5h30. Talvez rapidamente tenha preparado um café e engolido antes de sair. Todos os dias assim: de manhã se dobra para chegar a tempo de satisfazê-lo. É necessário. No fim da tarde logo se refaz para enfrentar o outro. As olheiras mal disfarçadas no pó evidenciam seu esforço em manter o vigor para o seguinte. Depois, volta ao amor maior. Quase 72 horas depois. Depende do dia, quando não fazia plantão com o quarto.

Jovem, corpo modelado, loira. Rosto castigado. O sono... De outro modo não o recuperaria. Não tem filhos. Arrisco a dizer: não tem tempo. Casada há dois meses. Tem boa moradia (ou pelo menos confortável para dois), no bairro Latino. Joana tem 23 anos. Classe média, formada em enfermagem. Não. Escrava da enfermagem. De manhã desdobra-se para resolver as mil pendências de um dos hospitais onde trabalha. Logo depois corria para o outro. E à noite ainda paga plantão em um particular para manter o padrão de vida que sempre teve. Padrão de vida, ora, até soa irônico. Joana não tem vida, literalmente.

João (também nome fictício) é seu marido. Ciumento, forte, sisudo, não gosta da independência da mulher: “resiste tempo demais sem mim!”. O homem gosta de um bom agrado, precisa de atenção, está desempregado. João matou Joana. Joana o matava; se ausentava sem compaixão.

Como disse, acordou por volta das 5h30. Ligou luzes, fez barulho, reclamou do sapato perdido. Saiu às pressas. Não disse bom dia, sequer deu aquele beijo. João acordou. Foi à cozinha: “pelo menos fez meu café” (ultimamente não tinha feito, ele teve que brigar – mais uma vez na semana). João e Joana nunca brigaram em seu namoro. Atrevo-me novamente: não deu tempo. Apenas alguns meses de namoro intenso e fogoso antes do casamento.

Tomou seu café da manhã e foi assistir televisão; João não trabalhava. Os amigos o consolavam: “gente boa, sua mulher, empenhada, trabalhadora, bonita... calma homem, calma”. Desligou a televisão. Náuseas.

Saiu. Foi resolver alguma coisa, suponho. Ao chegar, preparou rapidamente um almoço, mas não comeu. João está mal. Mil coisas passavam por sua cabeça. Ele não podia mais suportar. Complicada a situação de João. Jovem, mas desempregado, sustentado pela esposa, sofre de ciúme patológico. Pessoas com ciúme patológico geram dúvidas que podem se transformar em idéias supervalorizadas, ou francamente delirantes. Também realizam comumente visitas ou telefonam de surpresa em casa ou no trabalho para confirmar suspeitas. Os ciúmes de João talvez tivessem nomes masculinos, Walfredo Gurgel, Paulo Gurgel, Onofre Lopes, não justifica, seu ciúme era abstrato.

Então esperou: ficou lá, resmungando, talvez tenha bebido algo, enlouqueceu. Joana, linda, loira, cansada, chegou à noite em casa. Foi quando aconteceu. João e Joana discutiram. Muito. Fizeram sexo, talvez selvagem, pois João, a fera, calou a presa. Com um revólver trinta e oito João terminou aquela que poderia ter sido a história comum de um casal se ajustando para estruturar a base de uma futura família de três filhos.

João atirou na cabeça de sua esposa, que lá ficou, na cama, de bruços e nua. Muito sangue, porém não tanto espalhado, apenas decorando interessantemente o travesseiro e lençol da cama do casal. João ficou ao lado, morto, com bermuda, perna e braço meio caídos para o lado. Ela à direita, ele à esquerda. Talvez João o quisesse assim, se estivesse nu ficaria um tanto vulgar (mulheres são bonitas, suaves, poéticas, homens não). Talvez não tenha ocorrido assim, não há como saber. Nenhum vizinho se atreveu a comentar, não o conheciam tão bem. O amor enfermo saiu no Jornal de Hoje. Sem permissão. A população reclamou, mas foi só mais uma história.


Está foi mais uma das pequenas e cotidianas tragédias familiares eternizadas em uma das perturbadoras fotos de Herácles Dantas, fotógrafo de polícia, apaixonado por “presuntos” (como se atreve a tachá-los) e possuidor de um acervo inigualável de carnificina e compaixão, impiedade e justiças.

(mais uma produção desmedida para a faculdade, sem piedade ou cuidados...não é típico de mim)

Coleção Pingos de Quê - by Magaliana