5h30 da manhã Duduca acorda. Vai trabalhar. Sobe para o ônibus lotado na Zona Norte, seguindo até o trabalho na mesma posição. Cabeça esticada para cima, evitando odores comuns no ambiente. Braço cansado, meio dormente, fixo no corrimão alto quase inalcançável. Duduca é Baixo, 1,65m de altura. Como sempre acaba encostando por um segundo em alguém que o olha com nojo e tenta inutilmente se afastar. Com mais de 50 pessoas em pé não há como evitar contato.
Duduca, na verdade é Fábio. Tem 24 anos e é casado com Érica, que entrará na história mais à frente. Um dos seis filhos de Letícia, lavadora de roupas e ama de leite em muitas oportunidades, Duduca mal se recupera do trauma do mês passado: sua mãe e sua irmã mais velha, Fabiana, foram assaltadas perto de casa. Um homem levou a bolsa da mãe, apontando-lhe um 38 – muito comum na zona norte – e por um segundo sua dignidade (não havia necessidade de chamá-la de “rapariga”, isso que quase o mata).
Ele lembra; tenta imaginar a cena. Raiva. Melhor pensar em outra coisa. E segue sua rotina. Desgasta o corpo e se distrai no horário de almoço com amigos, comentando a desgraça do último jogo do América, que levou surra do Figueirense (3x0), no Nogueirão. Acaba o expediente. Voltar pra casa.
A linha é 07, passa pela Alvorada. Do jeito que vai, volta. Lotado, mal cheiroso. São 19h30 e entram três passageiros, ali próximo à ponte de Igapó. Dois passam logo para a traseira do ônibus e um fica diante do cobrador. Anuncia-se o assalto. De modo frio e um tanto meticuloso o assaltante da frente manda todos os passageiros que até então estavam em pé se deitarem no chão. Desta vez Duduca está sentado em uma das cadeiras, lá trás, junto à janela. Sem pensar em mais outra coisa, agarra-se à velha bolsa e põe-se a rezar. Com olhos esbugalhados vê o que acontece.
Inoportunamente um dos passageiros faz movimento brusco enquanto tenta se deitar. Um dos assaltantes, adolescente, nervoso, começa os disparos. Da frente e por trás surgem os zunidos. As balas apavoram a todos que não contém gritos e choros. Duduca está calado, pasmo, sujo. O homem estava próximo. Ao seu lado, um pouco mais a frente. Seu parceiro de banco também foi atingido, no pescoço. Por pouco não perfura a Aorta. Foi de raspão, não era seu dia.
Duduca treme, dos pés a cabeça. O tumulto era tanto que mal pôde ver o desfecho da situação. Vários passageiros conseguiram agarrar o adolescente. Os outros dois fugiram. Só pretendiam assaltar o cobrador. O resto não interessava. Conseguiram.
No dia seguinte Duduca saberia que na verdade o passageiro alvejado teria reagido, não somente se esquivado de forma brusca e que seu nome era Francisco Dias. Os olhos pregam peças. Mas não importa, o que importa é que Duduca consegue chegar em casa. Trêmulo e mais gago que o normal. Chega à sua ruela com dificuldade. A Família se assusta. A mãe sente dor no peito: “o que houve menino!? Pelo amor de deus fala!”. “O-o-o...ass...”...depois de uns minutos explica. Um tanto tarde para a mãe que já se via com pressão baixa fitando o sangue derramado na bolsa de seu filho: “graças a meu bom deus não é seu sangue. Que mundo meu deus. Somos mesmo é velas acesas ao vento”. Interessante como em pequenos insights pessoas comuns soltam frases tão fortes e aterrorizantes.
Passa-se o susto. Não para ele. Nem para sua mãe, mas a família agradece e se põe a sorrir. Érica, esposa de Duduca, decide ir à padaria. Leva a cunhada mais nova, Mariana (que logo passa batom e calça uma sandália melhor para exibir sua beleza juvenil diante do paquera). Vão. Mal passados dois minutos. Disparos: um assalto a carro. Todos correm para a rua principal. “Ai meu deus! As meninas tão ali!”
Por sorte não se feriram. A correria das pessoas pelo contrário parecia mais perigosa do que as poucas balas direcionadas com precisão ao dono de um carro popular, cuja marca, relata o rapaz, não pôde ver sequer a cor. Não podia ver nem sua mulher!
Neste dia Duduca não dormiu. Agradeceu por toda a noite a benção de estar vivo, e de não ter perdido sua mulher, a mesma que outrora traía sem piedade. Hoje, 18 dias após o acontecido, Duduca ainda contém o choro. Agradece a atenção e segue para casa.
Duduca, na verdade é Fábio. Tem 24 anos e é casado com Érica, que entrará na história mais à frente. Um dos seis filhos de Letícia, lavadora de roupas e ama de leite em muitas oportunidades, Duduca mal se recupera do trauma do mês passado: sua mãe e sua irmã mais velha, Fabiana, foram assaltadas perto de casa. Um homem levou a bolsa da mãe, apontando-lhe um 38 – muito comum na zona norte – e por um segundo sua dignidade (não havia necessidade de chamá-la de “rapariga”, isso que quase o mata).
Ele lembra; tenta imaginar a cena. Raiva. Melhor pensar em outra coisa. E segue sua rotina. Desgasta o corpo e se distrai no horário de almoço com amigos, comentando a desgraça do último jogo do América, que levou surra do Figueirense (3x0), no Nogueirão. Acaba o expediente. Voltar pra casa.
A linha é 07, passa pela Alvorada. Do jeito que vai, volta. Lotado, mal cheiroso. São 19h30 e entram três passageiros, ali próximo à ponte de Igapó. Dois passam logo para a traseira do ônibus e um fica diante do cobrador. Anuncia-se o assalto. De modo frio e um tanto meticuloso o assaltante da frente manda todos os passageiros que até então estavam em pé se deitarem no chão. Desta vez Duduca está sentado em uma das cadeiras, lá trás, junto à janela. Sem pensar em mais outra coisa, agarra-se à velha bolsa e põe-se a rezar. Com olhos esbugalhados vê o que acontece.
Inoportunamente um dos passageiros faz movimento brusco enquanto tenta se deitar. Um dos assaltantes, adolescente, nervoso, começa os disparos. Da frente e por trás surgem os zunidos. As balas apavoram a todos que não contém gritos e choros. Duduca está calado, pasmo, sujo. O homem estava próximo. Ao seu lado, um pouco mais a frente. Seu parceiro de banco também foi atingido, no pescoço. Por pouco não perfura a Aorta. Foi de raspão, não era seu dia.
Duduca treme, dos pés a cabeça. O tumulto era tanto que mal pôde ver o desfecho da situação. Vários passageiros conseguiram agarrar o adolescente. Os outros dois fugiram. Só pretendiam assaltar o cobrador. O resto não interessava. Conseguiram.
No dia seguinte Duduca saberia que na verdade o passageiro alvejado teria reagido, não somente se esquivado de forma brusca e que seu nome era Francisco Dias. Os olhos pregam peças. Mas não importa, o que importa é que Duduca consegue chegar em casa. Trêmulo e mais gago que o normal. Chega à sua ruela com dificuldade. A Família se assusta. A mãe sente dor no peito: “o que houve menino!? Pelo amor de deus fala!”. “O-o-o...ass...”...depois de uns minutos explica. Um tanto tarde para a mãe que já se via com pressão baixa fitando o sangue derramado na bolsa de seu filho: “graças a meu bom deus não é seu sangue. Que mundo meu deus. Somos mesmo é velas acesas ao vento”. Interessante como em pequenos insights pessoas comuns soltam frases tão fortes e aterrorizantes.
Passa-se o susto. Não para ele. Nem para sua mãe, mas a família agradece e se põe a sorrir. Érica, esposa de Duduca, decide ir à padaria. Leva a cunhada mais nova, Mariana (que logo passa batom e calça uma sandália melhor para exibir sua beleza juvenil diante do paquera). Vão. Mal passados dois minutos. Disparos: um assalto a carro. Todos correm para a rua principal. “Ai meu deus! As meninas tão ali!”
Por sorte não se feriram. A correria das pessoas pelo contrário parecia mais perigosa do que as poucas balas direcionadas com precisão ao dono de um carro popular, cuja marca, relata o rapaz, não pôde ver sequer a cor. Não podia ver nem sua mulher!
Neste dia Duduca não dormiu. Agradeceu por toda a noite a benção de estar vivo, e de não ter perdido sua mulher, a mesma que outrora traía sem piedade. Hoje, 18 dias após o acontecido, Duduca ainda contém o choro. Agradece a atenção e segue para casa.