28 setembro 2008

3000 d.B.*


Achava que todos no mundo teriam o mesmo, um dia. Contava os dias para que chegasse sua vez. Acordava cedo, tomava banho, se arrumava e ia trabalhar impecavelmente pronta para a sua vez.

No jornal, procurava saber quem foi o felizardo que lhe tomou novamente o lugar. Não se chateava, pelo contrário, "comia orelhas" de tanta satisfação ao constatar sua teoria cada vez mais freqüente.

Ninguém dava ouvidos à sua obsessão. Pensavam assustados como poderia alguém confiar tanto em uma lenda urbana tão absurda como aquela. Riam da pobre mulher que confiava no jornal, jurando que naqueles papéis haveria alguma realidade impressa. Tentaram interná-la em certo momento, o irmão mais velho, chefe da instituição não permitiu: "Não a castiguem pela situação em que vivemos. Feliz, ela, que acredita em alguma coisa.

O pobre homem era outro romântico, problema genético, sabe-se lá. Mas por temer a perda de seu cargo, sua carreira ou mesmo sua vida, guardava seus anseios no mais profundo fosso de sua mente. Ouvira também falar quando menino que jornais eram diários sociais, que continham uma espécie de texto que falava o que acontecia nos lugares. Não tinha certeza de quando foi isso, mas o nome lembrava: "notícias". Bonita palavra, terapêutica.

Enfim, sabia que não era mais assim. Sua irmã que não ouvia, jurava que tudo impresso era retrato daquilo que estava acontecendo na atualidade.

- Outro dia um garoto azul se desmaterializou e saiu dentro do carro sentado com um hambúrguer da MC Donalds nas mãos!

- Que conversa, mulher! Já disse que isso não existe!

- Existe sim, eles viram! Era redondo e continha algo escuro e era comestível, deram o nome de carne. Disseram até que somos feitos disso!

- Que história...que cheiro tinha?

- Papel! Cheiro de papel com tinta.

Hoje ela recebeu o chamado. Desesperou-se ao imaginar que poderia ficar sem a sua vez. Não poderia ser, todos têm a sua! Buscou o irmão chorosa, inquieta, infantil. Não podia permitir que isso acontecesse, Não, não dá.

O irmão tentou explicar à "menina velha" que não havia com o que se preocupar. Explicou, ponderou, demonstrou que não era um chamado exato, poderia ter uma semana ainda.

- Sete dias não são nada, criatura! Nos jornais diz! Leva tempo! Por que você acha que a gente espera tanto?

- Já disse que isso não existe, menina!

- Existe, sim. você sabe que existe. Sabe e espera!

- E quem disse que dura? Que a pessoa espera é certo. Que cada um tem sua vez, você "constata", nesses papéis que vou morrer explicando que NÃO SÃO REAIS, mas minha doce irmã, diga-me, quem lhe garante que dura? Em nenhum jornal você leu quanto dura, ninguém voltou para dizer como está sendo, não estou certo?

- Eu sei que dura, tem que durar, ou não levaria tanto tempo. Sei disso...

Morrerá em um ou sete dias, conforme constatado no telefonema. Embora transmita lucidez, o irmão se preocupa, se consome, desespera. Conseguirá finalmente confirmar a teoria que tanto temia conhecer. Sua irmã está errada, sim, e morrerá em sete dias.

O amor não acontece, nem com todo mundo.

*(Ano 3000 depois do Boom)

05 setembro 2008

Ô susto

Não aguentou um só segundo a mais. Pulou da mesa, pegou o apito escondido e veio com todo gás me acordar. Tomei um susto daqueles. Jamais pude imaginar a sitação. Jamais pude imaginar muito, na verdade. Dizem que sou criativa, creio que não. Pior, cosntato que não. Sou uma mera comunicadora, difulsora de informação alheia.

Ela veio com tom de ameaça e com o lápis mais bem apontado que jamais consegui afiar na vida. Trouxe consigo também a borracha e de quebra uma caneta pendurada nas costas, para caso eu viesse com aquele papo que só saía na caneta, ao acaso.

Martinha saiu do aquário, ou melhor dizendo, do meu computador. Não suportou mais a abstiência.

- Que história é essa de me bloquear no seu HD?

- Vamos! comece! Quero uma história e prá já!

Sempre desconfiei que essa menina era um tanto vaidosa. Mimada não era, coitada, sua mãe e aquele asqueroso do Chicão mal lembram dela...Enfim, é vaidosa, não aceitará mais um dia longe do blog. Avisou ainda que só estampa de seu rosto não bastava mais, queria agora um cabeçalho com sua imagem.

Passei uns 15 minutos confusa, transtornada, jurando que ainda estava dormindo e que por isso o travesseiro poderia tranquilamente ser um belo pedaço de bolo. Ela estava lá, raivosa como de costume, perigosamente meiga, para variar. Chorou algumas poucas lágrimas de crocodilo, berrou no pé do ouvido e ainda trouxe Butuca e Rufão como "cães" de guarda.

"Não teve jeito que desse jeito". Martinha, sinto muito em dizê-la, seu equipamento falhou. Sim, sinto-me um equipamento que transcreve em rabiscos e falas o universo de um ser real, porém invisível, que habita meu "sistema neurótico central".

Não tenho conseguido desenhar nem tão pouco escrever, como se pode ver facilmente neste espaço cibernético. Mas não podia deixar de relatar tal fato. Martinha existe, é real, e mais perigosa do que jamais pensei. Absolutamente sedutora, armada, precavida e adulta para seus seis anos de idade. Por enquanto não prometerei postar suas vontades diariamente, ou semanalmente, mas posso garantir-lhe, Martinha, seu espaço no cabeçalho está garantido e em andamento, mais tarde termino, juro.

Coleção Pingos de Quê - by Magaliana