04 janeiro 2011

Dona Lice


Dona Lice era acuada, uma pessoa de bem, mas com um comportamento que a fazia mal. Há quem diga que ela já foi uma garota meiga, esperta, linda de viver. Hoje as linhas de expressões percorriam toda a face evidenciando o seu nível de preocupação e desconfiança com o mundo.


Lice quase não tinha quase ninguém: namorado, esposo, filhos. Tinha apenas a irmã mais velha, a quem confiava e depositava toda a sua capacidade de soaciabilizar e de sentir. Mas até essa relação era complicada. Ora, Dona Lice sorria e bincava com sua irmã, ora a afastava com tom odioso de quem poderia chegar a matar.


A irmã mais velha nunca se importou de fato com tal comportamento: era uma pessoa desapegada demais com a família devido a um histórico assombroso de violência e excessos. Toda a família era louca, isso era fato.


As desventuras começaram cedo: a mãe tentou se matar ao descobrir a segunda gravidez. Achou que seria menos doloroso do que ter que fazer mais um parto normal. Acontece que ela não conseguiu se matar. Na verdade, não conseguiu sequer abortar a menina (sim, era Lice)... mas descobriu que os remédios antidepressivos que tomava na verdade eram placebos. O pai sempre foi uma pessoa calma. Até o dia em que o cachorro do vizinho resolveu morder a filha mais velha e ele acabou por mordendo o cachorro até a morte... Há quem diga que tudo o que ele queria apenas, era virar notícia... Fato é que hoje ele vive bem longe, mais precisamente na Coréia do Sul, onde abriu um restaurante especializado em boshintang.


Os avôs das meninas, depois dos surtos de seus descendentes, julgaram as meninas amaldiçoadas e resolveram colocá-las em conventos separados e trataram de tirar todos os contatos possíveis delas com a família, para que não houvesse a possibilidade de elas condenarem mais ninguém na família. A irmã mais velha, no entanto, sempre carismática e bondosa, conseguiu dobrar o coração da irmã que a aceitou, e conseguiu aos 18 anos resgatar a irmã caçula do outro convento, e puderam seguir a vida como uma família novamente, ainda que só de duas pessoas. Infelizmente ao final deste processo, Dona Lice já estava desgastada e rancorosa o suficiente para uma vida inteira. As irmãs do convento a tomaram como criada... os padres como amante.


Hoje Dona Lice está lá, sentada em seu banquinho da area, fumando seu Gudang Garam, de sabor e cheiro insuportáveis, enquanto aguarda a chegada da irmã. Está furiosa, como de costume. Não suporta mais o trabalho... Não suporta mais mudar de emprego... Não suporta nada. A irmã está demorando demais... Agora mais essa. Não pode demorar tanto! Mora a cinco minutos de sua casa! O celular não atende. Deve ser aquele cabeça chata de novo tomando seu tempo precioso com a irmã. Mas não importa, ela deve estar chegando...


As horas passam, e a situação permanece. Dona Lice já não tem cigarros para queimar o tempo e sua saúde, e também já não tem tempo para queimar aguardando sua irmã. Não é possível que ninguém lhe dê o menor sinal de vida! Quem ela pensa que é?! Se fosse algum problema alguém já teria ligado. Afinal de contas, ela é sua irmã! Eles não teriam a audácia de lhe esconder algo grave assim. Porque diabos ela não atende ao telefone?! Ah, quer saber?! Hoje Dona Lice vai mudar! Chega de depender dela! Chega de viver pra baixo porque os outros nunca ligam para ela... Chega de tentar ser sociável se nunca a compreenderão! Chega! Hoje ela vai ser diferente! Hoje ela vai mudar! Hoje ela...


- E aí, Chihuahuazinha querida! Esperou muito?! - grita a irmã no portão - Ricardo tomou um pouco do meu tempo hoje... sabe como são esses meninos, não é mesmo? Mas vamos deixar de papo e entra logo no carro! Tenho uma surpresa para você.


Ok... Talvez ela mude amanhã.

Um comentário:

Formigando disse...

é uma cachoooorrraaaaa!
hihaaaiiii!!
Massa esse ponto de vista!
=D

Coleção Pingos de Quê - by Magaliana