01 junho 2008

Dilema

Andava calmamente pela avenida chuvosa. Olhava para os cantos, cabeça balançando, mãos sob os bolsos da capa. Ao som do Invisível Dj chorava brando o desespero enforcado da impotência sobre a situação. Que fazer mais? Nada adiantara até o momento. Para.
Em sua frente um pacote. Grande, preto, mexendo-se rapidamente sobre a calçada, rolando perigosamente rápido para o ônibus que chegava. Correu para socorrer a embalagem alienígena. Não fazia ruídos, dava espasmos, mas não machucava. Devia ser algo macio sob o plástico preto.
Abrir? Não abrir? Se fosse uma criança? Não poderia cuidar de uma criança naquele momento! Mais uma situação desesperadora para provar sua impotência?! Jamais!
Mas caso não abrisse, caso fosse uma criança, morreria asfixiada. Deixaria de ser cúmplice daquele crime para assumir o posto do suposto assassino. Essa idéia lhe causava arrepios. Resolveu verificar a embalagem.
Pôs o ouvido esquerdo mais próximo do objeto. Tateou aos poucos, temendo mais que qualquer outra coisa, perceber as formas de uma criança. Caso houvesse de fato uma criança naquele invólucro, estaria sumariamente responsável pela integridade física e psicológica do bebê. Não teria coragem de entregar aquela criatura indefesa sob responsabilidade do governo. Ah, não, teimaria na própria desgraça: adotaria um ser que não poderia cuidar.
O pacote não mais mexeu. Não fazia barulho, não respirava, e principalmente, não tinha formas de quaisquer que fossem os seres vivos que poderia reconhecer. O alívio foi tanto que lhe caiu como uma bigorna sobre o corpo, o forçando a sentar-se no meio-fio.
Chorou tal qual criança, pelo desespero aliviado. Seus problemas iniciais? Fugiram disparados ao ver a embalagem. De certo estariam tomando um trem para a cidade mais distante que houvesse daquele novo problema.
Quase meia hora se passou. Levantou-se e seguiu para casa. Não abriu o pacote.

9 comentários:

Paulo Sarkis disse...

Você tem um talento danado, sabe fazer ilustrações para serem animadas em computação gráfica?

É que trabalho com isso e se te interessar, sempre temos trabalho pra comerciais de tv. De repente...

Sou amigo de tuas amigas Fran e cia., se interessar me dá um toque.

Anônimo disse...

Estou naquela fase de entendimento e reflexão da coisa toda... mais tarde eu volto para comentar o que tanto refleti....

Até daqui a pouco.

Clever Cesar

Antonio Ximenes disse...

Morrer de véspera.
Chorar pela "ameaça" do problema.
Medo do comprometimento.

Todo mundo tem direito de agir sem pensar... de vez em quando.

Teu texto é constrangedor de tão bem escrito... e mais ainda... pelo desfecho.

Gostei.

Abração.

Johann disse...

A impressão de expressões desencontradas da imaginação nos leva a depositar em algo inanimado toda criatividade literária.
É caso épico da psique humana estarmos diante de uma situação que pode mudar nossas vidas, mas o que nos assegura a realidade?
– as certezas aparentes.
Quando decidimos mudar?
– Quando percebemos que algo nos incomoda.
Mas por que temos medo de mudar, de partir para o que é novo e desconhecido?
– Por que é obscuro, incerto, como um pacote indefinido.
Mas o que motiva a abrir o pacote?
– A esperança de uma nova vida, um recomeço, mas é sempre desafiador, toda mudança é dolorosa, penosa demais, o remorso, a culpa própria pesa sobre nossos ombros.
Todos os sentidos do corpo são aguçados. Em alerta, o olfato, a audição, o tato, olhos nos dão a impressão de que podemos mais do que somos capazes antes do dar o primeiro passo, então toda a insegurança se transforma em calma, todo o medo se transforma em coragem. Então surge o herói. O herói de nos mesmos.
Ando na chuva, calmamente, perdido, querendo ser salvo de alguma coisa, que nem eu sei bem o que é. De repente tenho a impressão de ver um pacote se mexendo, com algo diferente, imagino uma criança querendo sair, uma vida nova querendo se libertar. São meus medos, minha coragem, minhas inseguranças e minhas certezas em conflito. Diante da situação algo muda em mim, a coragem surge e me livra dos pensamentos ruins, e tudo se vai, em um simples despertar que dependia apenas de mim para que acontecesse, o pacote não mas se mexe. Não foi preciso abrir o pacote.

“Somos nossos próprios heróis.”

Lucas, o Foca disse...

O medo do desconhecido sempre atormenta as nossas mentes. Ainda mais quando ficamos na dúvida.

"o que fazer com tal conteúdo?", essa poderia ser a moral da história do seu texto Mariana.

Abraços de um antigo amigo que quase não posta (e nem comenta) mais XD

Capitão-Mor disse...

Por momentos lembrei-me do filme "Beleza Americana" com aquela cena do saco plástico esvoaçando. Uma pequena narrativa bem original...
Gostei do Invisível DJ! :)

Sah Elizabeth disse...

Que dilema! Que suspense! Quanto medo...

Ótima crônica!

Um grande abraço,

Psiques disse...

Cade vc, hem, menina??? sumida, msn mais não ne?

Larissa Dardengo disse...

Juuuuuura que ele não abriu?
Ai que medo de situações assim.

Coleção Pingos de Quê - by Magaliana