12 fevereiro 2008

A vida como não devia ser

Manoela estava ansiosa. O Casebre finalmente ia tomar jeito de casa em breve. O material estava todo lá, em 24 prestações. Tintas, argamassa, tijolos, pincéis, tudo pronto.
Au travaiil. Era só Manoela e seu irmão. Derruba parede, pinta ali, remenda aqui. Não tinham dinheiro para contratar ajudantes. Na verdade, ainda estavam pensando como iriam pagar as prestações desse material todo. Eles ganharam um desenho arquitetônico de um amigo que trabalha numa xerox. O projeto encaixava direitinho na casa deles, mudava coisa pouca mesmo.
Passado o primeiro dia, regado a muita limonada artificial (para não perder tempo) e rapadura pra dar energia, dormiram nos sofás mesmo, sujos, "pintados". No dia seguinte, não foi muito diferente.
No terceiro dia, tomaram coragem para derrubar a parede para a cozinha americana, com direito a espaço para a tevezinha colorida de sete polegadas. O banheiro ganhou duas novas portas, dando acesso direto aos quartos dos dois irmãos, semi-suíte, nome chique.
E desse modo, os dois irmãos trabalharam as férias inteiras no projeto da casa nova. Dava orgulho. Uma das paredes da casa ganhou cor verde escuro, com uma armação interessante de madeira que um dos amigos dizia ser arte abstrata, que seja. A cozinha ficou mais branca e limpa que nunca.
Os quartos, um tanto menos espaçosos devido às portas novas, mantiveram um conforto inigualável e o guarda roupa reformado pelo amigo da marcenaria caiu feito luva para Manoela.
Mal podiam acreditar no grande feito. Ah, se a mãe estivesse lá para ver o cantinho que eles conseguiram para colocar o quadro que ela havia ganhado do amigo artista em seus tempos de glória. Como ficaria orgulhosa do trabalho dos meninos.
Dia seguinte, de volta ao trabalho. Os quilômetros percorridos nunca foram tão longos e as cartas nunca pesaram tanto para o rapaz. A garota, já não podia com o secador. Mas não podiam parar. A casa, como custou a casa.
Dias felizes se passaram e ao voltar para casa, encontram um papel, frio e carimbado, pregado à porta recém pintada. Era uma ação de despejo. Manoela imediatamente caiu chorosa de joelhos. O irmão puxou a irmã e o papel na mesma violência e pegaram rumo, às pressas à prefeitura.
Inutilmente esperaram horas para serem atendidos pela subsecretária da secretaria de planejamento para ouvir com a voz mais calma e sádica da face da terra que a casa não podia pertencer a eles pois fora construída ilegalmente.
- Mas não é só a nossa! O bairro inteiro está lá há 40 anos - Eles também serão destruídos, meu caro - Mas por quê?
- O nosso ilustre prefeito vai revolucionar a cidade com o maior complexo cultural da região! Haverá museu, teatro, biblioteca para vocês, populares. Tudo pensando no desenvolvimento social da cidade. Vocês receberão uma boa quantia para comprar suas casas. Tenha calma. É tudo pensando no melhor para vocês.
- Mas acabamos de ajeitar a casa! Nem começamos a pagar! Não podem fazer isso! Não queremos teatro! A gente nem vai ter como pagar para entrar!
...
Manoela e seu irmão nunca viram o dinheiro. O complexo cultural foi embargado devido à possibilidade de desvio de verba. O prefeito foi morto em uma de suas visitas à nova comunidade brasileirinha no limite do município, para onde foram transferidos os despejados. Outro casebre. Um quarto, um banheiro, uma sala e uma cozinha. E uma inundação na mesma semana do assassinato.



11 comentários:

Anônimo disse...

Manoela e uma mulher manipuladora e ao ser ver nessa situação desesperadora ordena que as pessoas da comunidade assassinem o prefeito.

Ela e a "dona" da comunidade, a pessoa que chegou lá com ódio no coração e montou um Estado independente, onde ela e o juiz e o juri ao mesmo tempo.

Coitado do prefeito, que pra fazer média pra mídia acaba morto...

FM disse...

Gostei deste cantinho futura jornalista...
Que tenhas sorte e sejas feliz.
Deixo-te Essências de Luz.

Diego Galeano disse...

sinta-se a vontade de bisbilhotar e nós questionar o quanto quiser e sobre qualquer coisa.
Seja bem vinda!!
E seu blog já está na minha lista de blogs que leio com frequencia!

abraços

Hemeterio disse...

Bom são os americanos, com suas casinhas de madeira. Qualquer problema, colocam tudo num caminhão e vão pra outra freguesia - esperar a próxima inundação.

Magaliana disse...

kkkkkkkkkkkkk
pou cara...mas tb sopra um ventim de nada e cai tudo pelo chão...
mas adorei seu comentário...rs

Sah Elizabeth disse...

Que tragédia! Bom é como os americanos ou como no Camboja, que quando as chuvas torrenciais varrem as casas deles e carregam tudo o que eles possuem, essas famílias se unem em jangadas comuns.
Abraço!

Haron disse...

Tomara que esse amigo da Manoela que trabalha na xerox não seja o Hemetério! Se for o prefeito fez bem em demolir a casa...hehehe....brincadeira Hemet...hehehe...não pude resistir a piada!

Caroline Crissie disse...

nossa coitadoos :/
pior que eh sempre assim, nunca pagam a quantia certa :S
isso não é só um text, é a mais pura realidade, infelizmente.
BeijoO!

Unknown disse...

nossa, o amor ao proximo é uma lenda neh? rsrsrs

que drama!!!

Antonio Ximenes disse...

Mariana.

Eu fiquei com uma pontinha de desconfiança sobre a veracidade da história.

Tão bem escrita e friamente realista.

Eu fiquei com ódio ao tal prefeito.

Tô com raiva agora.

Putz.

Ah !!!

O pessoal daqui também chama a dita semi-suíte de "suíte reversível... chique né !?!?!

Abração pra ti.

Formigando disse...

Pô que legal!
Altos comenarios!
eheheh
parabens minha linda
ótima produção este ano hein?!

bjaozao!

Coleção Pingos de Quê - by Magaliana