19 fevereiro 2008

Tarcila

O que fazer? Perguntava-se Tarcila. Nunca cogitou a possibilidade disto acontecer, cientistas juravam de pés juntos que era impossível. Mas aconteceu, Tarcila perderia as cores. Observava tudo com o maior detalhismo. Devorava contrastes e degrades da maior quantidade de cores possível. Era daltônica.

Ao chegar em casa, chorosa e assustada, ligou para a mãe. Xingou, esperneou (maldito gene), pediu socorro.

– E o trabalho?

– Não posso perder as cores.

– Eles já sabem?

– Não.

– Mas você errou aquela peça. Errou feio.

– Acharam legal. Pensaram que foi proposital.

– Viva o modernismo!

– Mãe!

– Calma. Você tem que explicar a eles.

– Vão me dispensar! Não posso...

– Também não pode mentir para sempre. Falei com ele.

– Nem me lembre. Bati de novo hoje... Não podia esperar, né?

– Meu deus, minha filha! Vai acabar matando alguém!

– Ou morrendo, né? Obrigada por lembrar.

– Pare de chorar, fica feia. Avise, viu? Vou jantar, tchau.

Não dormiu nesta noite. Devorou o guia Pantone, sem saber ao certo o que via. Sua memória também já lhe pregava peças, a visão prevalecia.

No dia seguinte, faltou o trabalho. Entregou as novas peças por e-mail e foi à praia. Fotografou todos que passavam. Registrou uma infinidade de cores, formas e ângulos. Depois voltou para casa, ainda tétrica. Em casa, fez cópias de todas as fotografias e imprimiu: colorida e P&B.

Quarenta dias depois a polícia bate à porta: os vizinhos chamaram. A mãe preocupada, escandalizava na frente do portão:

– Ela não pode ter feito isso! Eu falei que ela podia mudar a profissão. Minha filha, minha filha...

A essa altura do campeonato todos da agência sabiam do daltonismo de Tarcila. Ela abre a porta:

– Ai meu deus! Você está viva! O que diabo aconteceu? Ninguém lhe viu mais. E tem essa podridão...O que você está pensando da vida, menina?!

– Que confusão é essa? – fala dirigindo-se ao policial.

– Tarcila Amaral silva?

– sim, com “c”.

– olá, meu nome é Carlos, recebemos um chamado de um dos vizinhos sobre a possibilidade de haver alguém morto em sua residência. o cheiro incomoda seus vizinhos há dias, podemos dar uma olhada na casa?

– Ah, sim. Minha gata morreu. Esqueci dela, estava ocupada. Entrem.

– Mas que diabo! Você está louca, minha filha?

– Eu consegui mãe. Estudei dia após dia, e consegui...

– Você está magra, suja...

– Não é a mesma coisa. A cinza do azul, do verde, em qualquer tom... Eu vejo.

– Você voltou a fumar?

– Você não está ouvindo. Não preciso das cores, mãe!

– Não. Você precisa de um médico.

– Também posso ver as auras! As partículas elétricas, a poeira, percebo tudo. É incrível, mãe!

Levaram Tarcila ao médico. Examinaram seu cérebro e detectaram uma atividade anômala no lobo occiptal. Células extraordinariamente se desenvolveram e novas surgiram também em uma região no lobo frontal que não deveriam ter ligação às atividades ligadas à visão. De certo era coincidência, um tumor maligno.

Hoje faz dois meses que Tarcila morreu. Não resistiu à operação. Por ignorância e subestimação, morreu aquela que obteve, diante uma adversidade, a melhor visão humana que já se ouviu falar. Suas anotações estão á salvo no Conselho Brasileiro de Oftalmologia. O diagnóstico e a grande descoberta não foram publicados, mas oftalmologistas estão trabalhando com uma revolucionária terapia intensiva para retardar qualquer problema ocular: Método Tarcila.

13 comentários:

Capitão-Mor disse...

Tenho que lhe dar os meus parabéns. Os seus textos estão cada vez mais apurados e deliciosos.
Abraço!

Dante Accioly disse...

Geeeeeeeeeeeeenial.

Sah Elizabeth disse...

Muito legal seu texto! Gostei!!!

Gostei tbm do seu "método" de apegar-se às lembranças positivas das pessoas! :)

Grande abraço!

Anônimo disse...

Mari, sacanagem, tinha que botar a Tarsila daltônica. Um cronista daltônico, até vá lá, pois eu conheço um, mas, a mãe do abopuru é dose! Muito boa mesmo! Vamos juntando para editar um livro.

Tassoares

Clever Cesar disse...

Ráááá cá estou eu novamente e com a língua.. ops com o teclado mais afiado ainda.

TAMBÉM É POR VINGANÇA POR VC TER ESTRAGADO A HISTÓRIA AO ME CONTAR O FATO PRINCIPAL HOJE NA FAC EHEHEHEHE....

Vou começar dizendo que Tarcila em algum momento da sua vida leu o conto O GATO PRETO de Edgar Allan Poe, e ficou com esse conto em sua cabeça.

Pra quem não sabe, e recomendo urgentemente a leitura deste conto, pois ele é soberbo, O GATO PRETO conta a história de Pluto, um astuto gato, e de seu atormentado dono, que, assim como Poe, sofre com o alcoolismo. O vício acaba transformando o protagonista em uma criatura extremamente cruel; a perversidade o cega a ponto de cometer diversas atrocidades. E, durante todo o seu estado de animosidade, ele é seguido de perto por uma figura singular: um gato preto!

Pois bem Tarcila ao ficar daltônica começa a sofrer surtos pela ausências das outras cores. Como ela passa a ver somente preto e branco assim como a escala de cinza Tarcila se volta ao estudo das cores através do guia Pantone.

Sabemos que Tarcila neste momento já deveria estar internada para tratamento psicologico, mas nãoooooo a sua mãe dá mais valor a comidas que a saúde da filha.

Trancada em casa Tarcila se ve como o único ser vivo da casa... não... perdão caro leitor, existia também a gata.

Vendo todas as desgraças que estão acontecendo em sua vida a sua memória ativa a velha lembrança do conto de Edgar Allan Poe e Tarcila começa a se desesperar com a sua gata preta... simmmm a gata de Tarcila é preta.... como sei disso? Fica a cargo de você caro leitor descobrir...

Tarcila assim como a protagonista do conto procura desesperadamente matar o(a) felino(a)... como vivemos no mundo real Tarcila não precisou arranjar métodos diversos para matar, bastou apenas a caneta utilizada para escrever suas anotações e um momento de carinho com a gata... com um golpe só Tarcila enfiou 2/3 da caneta peito abaixo da gata...

Graças a Deus que Adgar Allan Poe não escreveu sobre o vilão do silêncio dos inocêntes...

Tarcila hoje vaga em uma das nove esferias infernais sendo castigada pelos Malebolgias... a sua gata? bem... ouvi falar que um gato anda prevendo a morte em um hospital...

Formigando disse...

Caraca doido
Esse maluco é doido!
é cada coment.
KkkKkkkkkKkk

No mais... gostei de quem disse que os textos estao "deliciosos"
ehehehe
eu tb acho

ihihi

beijao minha linda!

Guabiras: disse...

Se cuida moça!
Essa figura é capaz de tomar o
canto da Martinha...
tá muito bom isso.
Se deixar a preguiça
de lado pra desenhar,
rapidinho vira a dona do blog.

tem que ter mais
não importa que briga vai dar

srsrsr
pense


*torço pelo seu desenvolvimento
agropecuário em relação
ao cultivo de abelhas silvestres. saca né?! srsrrsr

lembre-se
"manjar pra evoluir"

Califórnia Dreans!

beijo na testa!
http://guabiras.blogspot.com

Anônimo disse...

olá! mais uma vez tá de parabens..gostei da mensagem do texto as vezes coisas ruins acontecem para gerar coisas boas lá na frente..

beijoss

Diego Galeano disse...

Só para pulgar que teu link está em meu link!

abraços
;)

Maísa Caldas disse...

ow... q coicindencia!
sahushushushashas
ahh... sobre as lentes... eu tbm nao sou muito fã delas nao... =X
shaushaushausshua
+ foi bom para aprender + um pouco sobre elas... =) hihihi

=**

Vinicius disse...

puta conto massa rs...
Feed !!

Antonio Ximenes disse...

Mariana.

Vou fazer uso de regionalismos:

"Muuuuito Massa !!!!!!"

Cara.

Demais.

Abração.

Hemeterio disse...

M-a-r-i-a-n-a! Teu texto me lembrou o excelente Fenômeno, com o John Travolta, já viu?

Coleção Pingos de Quê - by Magaliana