04 julho 2007

Além

Nasceu da necessidade destrutiva de Hades. Consumia a vida em segundos, sem guardar nada pra si. Era morta. Sugou a essência naturalista de cada ninfa. Tragou a vida de Oceano bem como seus súditos. Não longe, arrancou o brilho de Selene e calou os uivos de Zefiro. Acabou com cada divindade sideral sem dó, sem erros.

Conseguiu. Coletou cada pobre alma para Hades. Nem mesmo as divindades primordiais escaparam de sua fúria. A beleza de Afrodite ou a sabedoria de Atena nada puderam contra seu veneno. O arauto Hermes bem tentou fugir, mas suas pequenas asas corroeram antes que pudesse pensar. E ao fim, fora descartada. Hades nada mais tinha o que lhe pedir.

Mas logo que dispensada sua criação, lhe veio a preocupação: seu veneno tão potente poderia lhe tomar o juízo. Rápido, ele teria que aniquilar aquela mosntruosidade. Ele não poderia morrer. Descuidado Hades, temendo seu fracasso, cuidou de criar a criatura mais resistente que nem mesmo Zeus pudesse matar. Irritado e amedrontado com seu deslize, tratou de guardar a fera no mais profundo fosso do mais distante vale, envolto do mais congelante gelo e dos mais resistentes metais. Sabia que nada mais podia contra essa criança faminta que de nada se alimentava, mas não podia desistir, seu reinado finalmente começara.

Não tardou para que a fera se soltasse. Fato era que a náusea das tantas vidas que sugou, fê-la hibernar por alguns meses. Mas agora acordada e irritada com o desprezo de seu criador, a criatura derreteu todo o gelo e os metais que deveriam prendê-la em poucos segundos, seguindo rapidamente aos céus onde se encontrava agora o "seu senhor", que fora novamente descuidado e esquecido: morreu.

De tanto soltar seu veneno, o monstro agora via-se mergulhado em solidão...Procurou além do nada o que mais corroer e destruir. Desintegrou-se na tristeza do não conseguir. Aniquilou sua razão de existência, extinguiu seu "alimento" (embora sentisse fome da vida, não podia digeri-la, e a matéria não lhe parecia apetitosa).

Por fim, sucumbiu no deserto fétido, repleto de defuntos. Vomitou as vísceras confusas de seu templo. Não suportou sua condição. Mordeu-se por fim. Infelizmente, Além já era morta. Além era imune.

5 comentários:

Formigando disse...

Realmente, da vontade de ir atras dos nomes e conhecer as 'divindades'

muito bom seu texto.

Ele (o texto) foi bem direto: nasceu, cresceu e morreu.
junto a um enredo q fala de morte mas nao morre

Legal!

Anônimo disse...

Valeu, Mari! É preciso está nas costas de Hermes para acompanhar a velocidade da leitura e prender a respiração para adentrar no Tártaro. O texto é de uma inteligência e de uma rapidez que não é para qualquer um ler. O Olimpo e Panteão nunca mais serão os mesmos. Muito bom! Cadê Everton? Acredite, admiro você como artista das linhas e formas, poetisa e agora também na prosa.
Tasso.

Mauricio S. Oliveira Júnior disse...

e esse talento todo vive escondido neh? eh bom liberar!

Anônimo disse...

Muito bom mesmo. Me surpreendi.
Engraçado que a primeira coisa que me veio a cabeça foi uma mulher muito bela. Seria uma visão machista?

Guabiras: disse...

Do caralho...
Valeu por mais
um comentario surpreendente.
salvou meio dia... hehe
(se liga no trocadilho...)

Guabiras

Coleção Pingos de Quê - by Magaliana