16 junho 2007

Duduca em: desventuras em Série

5h30 da manhã Duduca acorda. Vai trabalhar. Sobe para o ônibus lotado na Zona Norte, seguindo até o trabalho na mesma posição. Cabeça esticada para cima, evitando odores comuns no ambiente. Braço cansado, meio dormente, fixo no corrimão alto quase inalcançável. Duduca é Baixo, 1,65m de altura. Como sempre acaba encostando por um segundo em alguém que o olha com nojo e tenta inutilmente se afastar. Com mais de 50 pessoas em pé não há como evitar contato.
Duduca, na verdade é Fábio. Tem 24 anos e é casado com Érica, que entrará na história mais à frente. Um dos seis filhos de Letícia, lavadora de roupas e ama de leite em muitas oportunidades, Duduca mal se recupera do trauma do mês passado: sua mãe e sua irmã mais velha, Fabiana, foram assaltadas perto de casa. Um homem levou a bolsa da mãe, apontando-lhe um 38 – muito comum na zona norte – e por um segundo sua dignidade (não havia necessidade de chamá-la de “rapariga”, isso que quase o mata).
Ele lembra; tenta imaginar a cena. Raiva. Melhor pensar em outra coisa. E segue sua rotina. Desgasta o corpo e se distrai no horário de almoço com amigos, comentando a desgraça do último jogo do América, que levou surra do Figueirense (3x0), no Nogueirão. Acaba o expediente. Voltar pra casa.
A linha é 07, passa pela Alvorada. Do jeito que vai, volta. Lotado, mal cheiroso. São 19h30 e entram três passageiros, ali próximo à ponte de Igapó. Dois passam logo para a traseira do ônibus e um fica diante do cobrador. Anuncia-se o assalto. De modo frio e um tanto meticuloso o assaltante da frente manda todos os passageiros que até então estavam em pé se deitarem no chão. Desta vez Duduca está sentado em uma das cadeiras, lá trás, junto à janela. Sem pensar em mais outra coisa, agarra-se à velha bolsa e põe-se a rezar. Com olhos esbugalhados vê o que acontece.
Inoportunamente um dos passageiros faz movimento brusco enquanto tenta se deitar. Um dos assaltantes, adolescente, nervoso, começa os disparos. Da frente e por trás surgem os zunidos. As balas apavoram a todos que não contém gritos e choros. Duduca está calado, pasmo, sujo. O homem estava próximo. Ao seu lado, um pouco mais a frente. Seu parceiro de banco também foi atingido, no pescoço. Por pouco não perfura a Aorta. Foi de raspão, não era seu dia.
Duduca treme, dos pés a cabeça. O tumulto era tanto que mal pôde ver o desfecho da situação. Vários passageiros conseguiram agarrar o adolescente. Os outros dois fugiram. Só pretendiam assaltar o cobrador. O resto não interessava. Conseguiram.
No dia seguinte Duduca saberia que na verdade o passageiro alvejado teria reagido, não somente se esquivado de forma brusca e que seu nome era Francisco Dias. Os olhos pregam peças. Mas não importa, o que importa é que Duduca consegue chegar em casa. Trêmulo e mais gago que o normal. Chega à sua ruela com dificuldade. A Família se assusta. A mãe sente dor no peito: “o que houve menino!? Pelo amor de deus fala!”. “O-o-o...ass...”...depois de uns minutos explica. Um tanto tarde para a mãe que já se via com pressão baixa fitando o sangue derramado na bolsa de seu filho: “graças a meu bom deus não é seu sangue. Que mundo meu deus. Somos mesmo é velas acesas ao vento”. Interessante como em pequenos insights pessoas comuns soltam frases tão fortes e aterrorizantes.
Passa-se o susto. Não para ele. Nem para sua mãe, mas a família agradece e se põe a sorrir. Érica, esposa de Duduca, decide ir à padaria. Leva a cunhada mais nova, Mariana (que logo passa batom e calça uma sandália melhor para exibir sua beleza juvenil diante do paquera). Vão. Mal passados dois minutos. Disparos: um assalto a carro. Todos correm para a rua principal. “Ai meu deus! As meninas tão ali!”
Por sorte não se feriram. A correria das pessoas pelo contrário parecia mais perigosa do que as poucas balas direcionadas com precisão ao dono de um carro popular, cuja marca, relata o rapaz, não pôde ver sequer a cor. Não podia ver nem sua mulher!
Neste dia Duduca não dormiu. Agradeceu por toda a noite a benção de estar vivo, e de não ter perdido sua mulher, a mesma que outrora traía sem piedade. Hoje, 18 dias após o acontecido, Duduca ainda contém o choro. Agradece a atenção e segue para casa.

3 comentários:

Anônimo disse...

Bom.
Aprendi na escola q isso é um texto narrativo/descritivo.

e dos bons!!

O conteúdo
Lembra aquele pensamento q muita gente tem, tipo... isso só acontece na tv... ou longe daqui.
Nunca perto, na familia.
Mas nos dias de hoje... pode ser um pensamento caro demais!!

Anônimo disse...

Também gostei do texto.
"Enquanto isso, algum Fábio (ou "Fá") desconhece essa realidade, protegido em seu apartamento um por andar no Alto da Candelária"

Anônimo disse...

http://www.salaodehumordepiracicaba.com.br/docs/regulamento_2007.pdf

Coleção Pingos de Quê - by Magaliana